terça-feira, 26 de novembro de 2013

Dor invisível da invisibilidade

Se somos todos humanos, por que há então "condições" que são aceitas e outras não?

Esse foi um dos questionamentos que surgiu quando eu "revelava" minha identidade para uma amiga próxima.
Revelava entre aspas por quê? Por que isso não deveria ser algo tão "exótico", tão marginalizado a ponto de ter que ser escondido, enterrado dentro de nós. Não-binário é só mais um jeito de ser humano, de ser uma pessoa.
Por quê então o choque quando há revelações do tipo "sou homossexual/sou transgênero"?

POR QUÊ EXISTEM NORMAS.

Normas estas ditadas para nós desde de quando estamos sendo gerados. Nossos nomes são decididos, que cores devemos usar, o que nós teremos como profissão futura, está tudo ali, definido antes de nós sequer existirmos. Normas decididas por outrem, que insistem em colocar longe de nós, que insistem em dizer "essas normas são exteriores a nós, devemos apenas seguí-las em silêncio e aceitá-las e reproduzir isso para toda a sociedade, pois este é o padrão."

Daí então, quando você decide ser você mesmo, tomar controle da sua identidade, parece que todas as pessoas ao seu redor levam um choque de realidade. Ou pelo menos 99% delas, por quê eu pelo menos tive a sorte de ter gente que me entende e me apóia por perto.

Mas ser invisível dói.
Dói, por quê você tem que usar uma máscara de uma carne que não é sua, que não lhe pertence.
Dói ter que engolir as normas cis que empurram pra cima de nós.
Dói, pra mim, ter que discutir com pessoas próximas por quê elas simplesmente se recusam a me tratar do jeito que eu quero.
Dói ter que usar uma disfarce que não representa quem eu realmente sou, como eu realmente me sinto.
Dói quando eu me olho no espelho e não vejo minha imagem lá.
Dói quando as pessoas assumem coisas sobre mim pelo fato do meu corpo ser de mulher.
Dói não ter o seu eu reconhecido como igual, dói, dói e dói.

Mas essa dor ninguém vê, pois é a dor de um ser invisível.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Os dias disfóricos

Meu humor é uma variante constante... Nesse exato momento eu sou apenas confusão. Uma construção feita de confusões.
Tem dias que eu acordo me sentindo perfeitamente bem com meu "eu" biológico, por assim dizer. Mas também existem dias que eu sou simplesmente disforia, que tudo em mim grita "me tira desse corpo agora!" e tem as malditas reações de rejeição. Urgh.
Que desgosto! Que martírio! E esses dias nem sequer avisam quando chegarão. Apenas aparecem, causam estrago e vão embora. Nem sequer em intervalos regulares, por quê se fosse, eu teria um jeito de me aguentar mais durante essas fases.
Incrível que, durante esses dias, eu não consigo conviver direito com as pessoas. Digo, eu não tenho paciência, ânimo nem nada para interagir com elas. E apesar disso, eu me sinto muito solitári_. (Mudando de pronomes e adjetivos, pera aí.)
Aquela sensação de solidão de não ter alguém para falar sobre essa disforia e as questões de gênero, de não ter alguém para dar um alívio, um conforto... A realidade é que tenho apenas uma amiga com a qual eu consigo falar tranquilamente sobre o assunto.
Já tentei falar com alguns outros poucos amigos sobre, mas não foi uma experiência muito feliz. Mas a realidade é que me faz falta um confidente que seja como eu, digo, seja trans* não-binário.

Tem um grupo muito simpático no Facebook de GQs, N-b e Batatinhas, mas ainda não peguei amizade forte com ninguém... Mas pelo menos lá eu posso falar como eu realmente me sinto sem ninguém ficar falando que eu estou errad_, ou isso e aquilo.

Recentemente tenho visto muito a palavra "trigger" por lá, e acho uma expressão muito válida.
Vou me apropriar do termo {?} e dizer que meus "triggers" de disforia disparam loucamente em diversas situações, mas uma tem me chamado muito a atenção ultimamente, que é a disforia desencadeada pelo contato/proximidade com objetos/símbolos e pessoas que se encaixem na caixinha do "feminino", pois isso me lembra da suposta obrigação que eu tenho de ser "uma moça delicada, comportada, arrumada e meiga que faz tudo o que se espera de moças normais e saudáveis da minha idade". Quanto menos eu lembrar disso, melhor pra mim. Como eu disse no post anterior, estou começando a ficar com raiva e ódio disso. Não sei se alguém já passou por algo assim, mas independente do quê, o ódio é sempre algo que acaba com as nossas energias. É triste.

E eu ainda não criei coragem pra comprar roupas "masculinas" (são só roupas, qualé.) para mim. Eu sei modelar e costurar roupas, mas eu quero fazer essa experiência, só não criei coragem. Sempre achei camisas "masculinas" muito mais legais. Aliás, o vestuário "masculino" sempre me atraiu mais, mas por motivos de família, sempre usei roupas femininas, por mais largas e desleixadas que fossem.
Fazer essa experiência, penso eu, seria uma forma de dizer "eu existo, sou real, não sou invisível e há muitos outr_s como eu por aí", uma forma de "validar" quem eu sou... Não que eu seja uma farsa, mas seria uma pequena vitória pessoal, quase como dizer "Ei, eu posso fazer isso!"

Felizmente, uma coisa que tem ajudado contra essa disforia é o uso dos pronomes no masculino! Eu ainda fico meio nervos...o na hora de usá-los, por isso ainda só os uso com a minha amiga e aos poucos, usando eles no grupo das Batatinhas. Outra pequena vitória pessoal.

Enquanto eu vou organizando a confusão dentro de mim, vou continuar escrevendo um pouquinho aqui e ali... Um dia eu realmente espero que eu consiga me entender por completo.