sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Volta o cão arrependido

Então, depois de um ano, eu desenterrei esse blog, que criei quando eu descobri sobre as identidades trans não-binárias. É bom reler o que escrevi no passado, para perceber que tipo de estupidezas eu escrevia. É bom para perceber como nós mudamos.

Sim, eu acredito que o ser humano esteja sempre em mudança, num fluir contínuo, sempre se construindo, reconstruindo, destruindo e desconstruindo. Somos seres capazes de pensar, agir e reagir ao mundo ao nosso redor, capazes de mudar nossas percepções e pré-conceitos, nossos pensamentos... Nós mudamos nós mesmos.

Há coisas que releio e sou capaz de me orgulhar, há coisas que releio e então penso que seria melhor nunca ter escrito, mas, veja só você: São todas marcas da minha existência, provas de que meu pensamento existe, flui e se transmite, ainda que hoje suas ideias já não sejam mais verdadeiras ou uteis.

Sim, eu existo. Eu estou aqui. Como uma pessoa trans não-binária, aqui estou.

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Krisexplicanismo dos sentimentos

Trigger é uma desgraça que tá apontada pra minha cabeça e pro meu coração e quem puxa o gatilho é a sua mão -
desconforto é uma praga que tá amarrada do meu lado na minha vida e quem trouxe ela pro meu território foi a tua presença e a tua alma encardida -
 dor é um dragão rasgando uma espiral dentro dos meus olhos e da minha garganta e quem criou ele foi você e por favor meu nome não é samantha -
tristeza é um vortex maligno e corrompido e quem pôs ele pra funcionar de novo foi um escorpiniano arrogante e metido -
 raiva é uma quimera que confunde e transfigura sentimentos e a razão disso são as tuas ações razões dos meus lamúrios e lamentos -
disforia é uma maldição latente crescente decrescente pungente emergente urgente sempre presente que você não sente e só faz piorar qundo não me reconhece como gente -
agonia é uma batalha do entendimento e do sentimento que me deixa em travamento quando vejo que para você a cisnormatividade das suas amigas legais é maior que a suposta fraternidade por isso te considero um cretino lazarento -
nervoso é um tremor que trepida meus nervos e meus sensos quando me questiono o por que disso tudo e culmina em cicatriz que eu escondo com lenços -
apatia é o entorpe que chega e me diz dorme pois a dor é enorme e a vida vai se arrastar assim e eu foco minha energia não nos outros mas em mim -
reação de rejeição é o que corre dentro das minhas veias e aperta o bater do coração alterando minha respiração e não consigo arrancar esse cancer dentro de mim não pois a rejeição tá em volta de mim e não sei se dá pra separar o eu mesmo de toda essa vivência-experimentação-de-mim-reconstrução -

ressentimento é apunhalada que levo do que deveria ficar lá atras mas parece que isso nem eu nem você é capaz é aquela rainvejamarga que aparece quando você é do jeito que nunca foi comigo com gente cisarrumada -
abismo é onde você chega quando a solidão te segue pra todos os lugares não importa se os amigos continuam perto tentando inspirar novos ares é onde você chega quando não mais se chega ao lugar onde o seu eu humano deveria estar mais deixou de estarbemlá pois alguém entrou lá só pra quebrar e matar e talvez nem esse nada que restou tenha vivido pra ter história pra contar -
desprezo é o que se recebe quando você não se suporta e quer atravessar a porta daí pega a faca e recebe um "só faz coisa idiota" de volta

 Mas eu vou parar de escrever pois eu já percebi que nada escrito vai resolver como nunca resolveu parece que a únca pessoa que lê isso aqui sou eu

 É claro que a culpa é sempre minha pois eu que estou fora da linha não consigo argumentar e só falo ladainha sou muito menos gente que as amiga cis-fofa-menininha já que eu não sou gente eu tenho probleminha: sou uma propriedade de linguagem de computação minha ID=não é válida não, é um bug a ser arrumado não importando se na minha essência eu tenha que ser dizimado -
eu que sou imbecil e a sua fobia é que tá certa, viu?

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Agora, dois poemas

< <Kris > >

A little bit of "Flight"...

Kris stands for all the
(uncomitted) Crimes...

Kris stands for all the
(unforgettable) Cries...

Kris stans for all the
(unforgiving) Cracks...

Kris stands for all the
Burdens
Wrong Assumptions
Broken sistemic ideas
Sadness
Sense of inadequation
Frustration
Agony
I
Carried... until this day

"Krash the Cistem" < < Kris > > 



< < Ayu > > 

A little bit of "Walk"...
Ayu stands for all the
Steps that brought me here.

Ayu stands for all the
Truth I always sought.

Ayu stands for all the 
Paths I built to this day

Ayu stands for all the
Journey I'll go from now on.

It is
a
lone walk of only one
It is the symbol of my
True Will
My Origin.
Going forward...
< < Ayu > >

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Agora eu vi

Meu costume de reler conversar é bom, por que me faz perceber coisas que no calor da discussão, eu não enxergo.

Enfim, a pessoa faz um mansplaining GIGANTESCO e usa do mesmo argumento tosco que é usado pra justificar a homossexualidade: "Faltou à pessoa a presença de uma figura masculina forte".

Gente, socorre aqui, tô tendo um treco.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Não.

Nada expressa melhor um sentimento de negação absoluta do que um simples "não".
Não. Não, não e não.

Tudo dentro de mim é "não".

Definição binária?
Não.
Definição de gênero baseada em aspectos biológicos?
Não.
Pronomes e adjetivos com desinências femininas?
Não.
Roupas como marcação de gênero?
Não.
Hábitos, trejeitos marcados por/marcadores de gênero?
Não.
Nome civil?
Não.
Relações humanas?
O quê? Quase não. Tem pessoas que vale a pena manter o contato ainda.

Não quero.
Não posso.
Não consigo.

Não. Não. E Não.

E não use seu sexismo e explicanismo comigo.
Grato.


domingo, 1 de dezembro de 2013

Sobre o respeito (ou a falta dele)

Algumas pessoas simplesmente não se dão conta.
O "coming out", revelar sua identidade, não é um processo simples. Muitas vezes se torna algo torturante, doloroso, até mesmo agonizante. Fica aquele impasse "mas e se eu não contar, eu não estaria mentindo pra essas pessoas?" (as pessoas mais próximas de nós) contra "Mas se eu contar, será que elas vão se afastar de mim?"
Mas o problema é: Não temos como saber se não perguntarmos. Dá pra sondar, falar por cima, mas a reação das pessoas é sempre algo imprevisível. Você pode até imaginar, mas nunca terá certeza se não perguntar efetivamente.
Acho que o momento que você diz pra alguém sua a sua identidade é como uma roleta russa: Você está apontando um cano de arma para si mesmo. Se o gatilho vai disparar ou não, acaba dependendo da reação da pessoa.
Infelizmente não é só nesse momento que o trigger fica apontando na sua direção. Todo momento de interação com as outras pessoas pode ser um possível momento que o gatilho vai disparar. Tem dias que controlamos isso. Outros dias, não. Basta um artigo, pronome errado e tudo explode.

Algumas vezes acontece das pessoas que sabem da minha ID trans* n-b errarem os pronomes e tudo o mais, e eu acabo relevando. A força do hábito é maior do que a gente pensa.
Mas isso não deixa de ser uma falta de respeito... Acontece que alguns dias eu não quero gastar minhas energias discutindo sobre.

Não tratar uma pessoa trans* pelos pronomes e pelo nome social (o nome que a própria pessoa escolhe para ela) é falta de respeito.
É a mesma falta de respeito de quando alguém te chama por um apelido que você não gosta ou te xingam.
E fica pior ainda quando a pessoa tem resistência ou simplesmente se recusa a te tratar pelo jeito certo.

"Ah, mas deve ser estranho para elas!"

E quão estranho e complicado não são os nossos processos de se descobrir, re-descobrir e de se conhecer de novo? De ir mais a fundo em nós mesmos e confrontar e desconstruir tantas coisas que aprendemos durante a nossa vida, de ir contra as caixinhas que sempre nos empurraram antes mesmo de nós sabermos falar?
Não é uma questão de se tornar aliado ou engajado com as questões trans*, ou de entender profundamente os termos e definições ou a teoria queer.

É apenas uma questão de respeito.
Respeito é bom e todo mundo* gosta.

"When someone identifies as transgender in any way, you refer to them according to the gender they wish to express. Its called respect."

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Dor invisível da invisibilidade

Se somos todos humanos, por que há então "condições" que são aceitas e outras não?

Esse foi um dos questionamentos que surgiu quando eu "revelava" minha identidade para uma amiga próxima.
Revelava entre aspas por quê? Por que isso não deveria ser algo tão "exótico", tão marginalizado a ponto de ter que ser escondido, enterrado dentro de nós. Não-binário é só mais um jeito de ser humano, de ser uma pessoa.
Por quê então o choque quando há revelações do tipo "sou homossexual/sou transgênero"?

POR QUÊ EXISTEM NORMAS.

Normas estas ditadas para nós desde de quando estamos sendo gerados. Nossos nomes são decididos, que cores devemos usar, o que nós teremos como profissão futura, está tudo ali, definido antes de nós sequer existirmos. Normas decididas por outrem, que insistem em colocar longe de nós, que insistem em dizer "essas normas são exteriores a nós, devemos apenas seguí-las em silêncio e aceitá-las e reproduzir isso para toda a sociedade, pois este é o padrão."

Daí então, quando você decide ser você mesmo, tomar controle da sua identidade, parece que todas as pessoas ao seu redor levam um choque de realidade. Ou pelo menos 99% delas, por quê eu pelo menos tive a sorte de ter gente que me entende e me apóia por perto.

Mas ser invisível dói.
Dói, por quê você tem que usar uma máscara de uma carne que não é sua, que não lhe pertence.
Dói ter que engolir as normas cis que empurram pra cima de nós.
Dói, pra mim, ter que discutir com pessoas próximas por quê elas simplesmente se recusam a me tratar do jeito que eu quero.
Dói ter que usar uma disfarce que não representa quem eu realmente sou, como eu realmente me sinto.
Dói quando eu me olho no espelho e não vejo minha imagem lá.
Dói quando as pessoas assumem coisas sobre mim pelo fato do meu corpo ser de mulher.
Dói não ter o seu eu reconhecido como igual, dói, dói e dói.

Mas essa dor ninguém vê, pois é a dor de um ser invisível.